sábado, 7 de fevereiro de 2009

texto de Paulo Castro

Você me pergunta, depois de passar tinta na sua nudez, azul deixando rastros do que combinamos, porque eu passo - e tomo - tantos cafés toda manhã, nas enormes xícaras que compramos em Berlim ou quem sabe logo ali mesmo, mas você prefere me fazer acreditar em Berlim e eu me submeto à hipnose que você aprendeu em Paris, com Charcot, ou talvez logo ali mesmo, onde compramos talheres e pratos, os sorrisos da multidão ao redor me confundem. Eu não conheço ninguém e todos parecem me conhecer, e mais, como se eu fosse uma pessoa muito educada, um bom-vizinho, alguém de certa normalidade. O tipo de pessoa que dorme no mesmo quarto que a namorada, que até mesmo tem uma namorada, e costuma vê-la nua, beija-a na boca com carinho, a penetra com vontade e goza(?- esses malditos livros !) lá dentro já que ela acreditaria em pílulas e não faria, por exemplo, brincos delas.
Não que você tenha feito brincos de anticoncepcionais - a concepção para você te faz vomitar, a simples idéia, o inocente início de conversa sobre isso - não, você nunca fez brincos com os 21 comprimidos, mas estamos em um ponto em que eu sei exatamente o que faria. Ímpar.
Não era disso que a gente tentou fugir? Quartos separados, um em que tenho meus livros ( você nunca exerceria censura sobre o que leio, mas o tom do seu hum-hum muda de lombada para lombada), minhas fotografias ( nenhuma sua, por mais que tivesse arriscado propor, mais e mais nos últimos tempos e com a preocupação com nossa "comunidade individual"), outro em que você tem seu som, fone ( para não me incomodar com SUA LOUCURA), espaço para dançar e o varal com carne de sol à janela, para seus sushis.
Como eu poderia tomar menos café? Hoje tentei chutar o jornal embrulhado em saco contra a garoa, e a única coisa que aconteceu foi a imobilidade e as gotas entrando pelo meu chinelo plástico, aquele que me deu, um de cada cor e tamanho...eu poderia ter me abaixado, pego com a mão, trazido para dentro de casa, deixado as gotas maiores e violentas pingarem no jardim e então pegar o jornal e ao invés de colar as páginas camada sobre camada sobre camada sobre camada, a sala, ler o que estava escrito...e se um filme bom passar na matinê ? Não digo para irmos de noite, como fazem os Outros, os que não entendem a nossa proposta de comunidade individual, mas seria bem rebelde, eu imagino, eu desejo, sem hipnose hoje, não que esteja montando um levante, assistirmos um filme às duas da tarde, não ? Até mesmo eu proporia que enchessemos os pacotes que seriam das pipocas com folhas e pétalas. Não é mesmo ? Sem onda ? Prefiro nem esboçar a tentativa. Sinto-me o panaca da escola tomando tanto e tanto café, correndo para o meu quarto para fumar cigarros, assim, normais. Através da porta que nos separa, sei que você está azul, e ouço seu riso.
Amor, já não é preocupante o fato de eu estar fumando cigarros...normais ? Acho que você não está sendo esperta, ou bem o sei, sua esperteza está em fingir-se o tempo todo em não se importar com nada, que eu possa ir embora, destrancar a faculdade, fazer carreira, aprender a dirigir, descobrir onde estão morando meus pais, se tenho pais, não me recordo ( "olhe fixamente para meu clitoris....assim....assim...."), afinal, é a liberdade, mas quem foi que disse que quero essa porra dessa liberdade, café, mais café, os dedos dos pés ainda molhados e frios e para não te perder preciso ter ao menos uma idéia original por dia, que nem sei mais se é minha, sua, apenas sei que a originalidade nada tem mais de original, já provamos isso, eu provei isso, mas você insiste. Provei, mas não falei. Ao contrário, liguei meu notebook em meu quarto e você no seu. Acionei a webcam e com o pau escondido entre as coxas e pêlos, simulava para você uma masturbação feminina e você se depilava com uma guitarra no colo, mostrando-me apenas os pentelhos que ia esfregando nas cordas, gravando tudo isso no mp3.
Como com os cigarros, oposto, não sinto vontade alguma de me gozar. Acho que se eu batesse uma punheta pensando na atriz do filme matinê ( um plano ?) eu teria um pouco mais de coragem, mas é impossível a idéia de uma ereção. Não que não tenha tentado, com uma das vizinhas mais sorridentes a mim, mas era algo muito errado de se fazer, errado, errado, errado, a palavra era obcecada na cabeça, pois a gente aprendeu que gozar era acho que religioso demais, ou capitalista demais, ou comunista demais, o fato é que eu sei que lá fora as pessoas têm ereções e que depois disso vem uma coisa boa. Uma imagem ! Eu sou menino e corro contra o vento para que a pipa vá mais alto e uma voz masculina muito bondosa diz "isso, isso". Mas é assim, sobre o banquinho, sua bunda azul e aparentemente dura, faz mostrar os ossos, quando fica na ponta dos pés e cola as páginas do jornal de hoje na parede. E eu sou livre para passar mais e mais café e fumar cigarros normais escondido no quarto sem esconderijo em vão.
Contanto que depois eu escreva um poema com as palavras que me ocorrerem à (minha?) cabeça, ou faça barulho que for com o mais novo instrumento musical que você trouxer da rua, disse-me faltar-nos um oboé.
Então você diz, de uma ou outra forma: - Você continua sendo meu tesão louco e livre !
Sorri e vai dançar com seus fones de ouvido.
Mas sabe, como é desesperadoramente lindo esse teu sorriso !
Lindeza sem nome. No dia em que eu conseguir descrever o que sinto quando você sorri, já aviso calado, chega, chega mesmo. Eu... tentarei sair daqui.
º

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