terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Patativa

izabel xarru




Patativa diz sua casa no canto.
Nem é poema.

Tem quem sofra de véu no ermo,
tem quem sofra de seita na voz.
Patativa não é assim./
Caído no estreito do trecho,
extrema primores/
e musica cheiro úmido na terra,/
esfola a pena no açude/
( adoça a fêmea batendo asas )
Depois é enriquecer o ninho
E calor de ave destituída de fio.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Ninguém

izabel xarru



D. Cecília era assim, uma rara. Virada de costas pro mau acaso, bunda e ombros já formavam loft, misto de idade e moda. Agora, na cozinha, fazia um suco sem sementes, sem películas, sem bagaço, quase sem fruta, mesmo. Puro capricho. Pro marido:

-João, que foi mesmo que eu pensei sobre o filme de ontem?
-Ô, Cecília, você está como seu pai, não lembra das coisas. E dormiu na parte principal.
-Ah... que pena. Pensei que eu tivesse gostado.

Dia vai, dia vem, D.Cecília atende um telefonema que não fala. De novo. De novo. Ai, ai, mas ela queria acabar de cuidar dos passarinhos. E de novo. Ela:

-Alô, você. Sabe, tenho um melro e uma catatua. Eles brilham no escuro. E quando penso em matar alguém, corro pra eles. Memória nunca me pega. De vez em quando adoto uma criança e brinco de estragar jornal. Depois nos jogamos fora.

A pessoa que ligou não falava. Ela:

-Continuando, até que sou sozinha de pai, mãe, filhos e espíritos santos, como o seu. Honra conhecê-lo. É amante de meu marido ou deseja assaltar minha casa? Pode me trazer uma televisão de algum assalto antigo, que a daqui pifou. Guardo pães na geladeira, se precisar.

A pessoa ouvia, talvez.

-Será que você viu o último filme do Almodóvar? Dizem que ele não é o mesmo. Também, claro, ninguém é o mesmo ( seria, talvez, os mesmos). Gostei da cena em que Penélope está comendo umas pipocas, distraída. Não tem as pipocas, mas é o que ela está fazendo, ali, calada como você.

De repente uma música começou a tocar no telefone mudo. A tal pessoa tinha colocado para Cecília ouvir. Isso, ela tinha certeza, até se enterneceu.

Só D. Cecília pensa nessas coisas assim. Por isso é que, de noite, depois do trabalho, ela reza para os bonequinhos alados de um oratório. Desde que seu primeiro filho morreu ao cair de um sonho. E ninguém quis entender porque ela gosta tão serenamente da palavra ‘amnésia’ e da palavra ‘combustão’.