quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Carta

izabel xarru



Por acesa e apagada a carta, tantas vezes, agora não tenho mais ânsia de te encontrar ouvinte. Nem desprezo por não tê-lo cola e selo.
Não sei de onde veio este leque repentino, mas está aqui e é meu.
Ao lado da cama, esse abajour leituras, telefonemas e a medicação-moda que alivia o peso dos lugares onde, sabe-se, talvez eu nunca tenha estado.
Sou o livro que mira seu olhar sonâmbulo e se inscreve na retina.
Não sorrio sob o leque por puro recato . Olhe bem: você foi o homem que amo.
Castigo seus ossos com a película que torna o espelho substantivo. Sim, bancando o rei do pirulito jovem e universal, você, vejamos, poderia estar fumando uma maconha- marley-quer-prostrar-para-Selassié, em companhia de nossa filha, ou de sua avó , e ainda encontrar dignidade nisso. Como as cartas são inúteis!
Calma, a cena é de todos, eu sei.
Mas suas tragédias arrepiam o mais dedicado neófito, aquele ali de vermelho, fazendo sangue-ioga, com calculadora na mão e uma vaca na fala.
Como eu dizia, esta carta não pede.
O relógio bombeia insônias.
Não fumo. Hoje guardei um cigarro seu para fumar na janela, olhando as montanhas mais para lá. Você atenderia o telefone de madrugada. Enquanto isso, eu fumaria o meu cigarro, quase uma viagem a Paris. Sem cartas.
Este leque insiste que tenho calor.
Em mim, uma outra riqueza acena.
Ainda não sei meu nome, mas tenho aqui a passagem.

Um comentário:

  1. "Sangue-ioga, com calculadora na mão e uma vaca na fala".
    Me lembrei de alguém (que não vou dizer quem é)ahuhauhau

    (escrever sobre o que leio me faz sentir uma violadora de túmulos e cá eu tenho meus pudores esquisitos com quem amo..mais ou menos isso..)mas tudo que vc escreve me fascina,
    e como só o excepcional faz isso comigo então me acho mais confiável que críticos literários.

    Ainda bem que existe avião e abraço de Bel-Miosotis inflorescente:'cinco pétalas'.

    Beijo!

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