terça-feira, 4 de agosto de 2009

Bourbon Está Ok.

Por Paulo Castro.





-ei cara você precisa pensar em subir na vida.

disse isso dando a cotovelada de sempre, antes de dizer a mesma coisa de sempre,

que consistia em propor algum negócio "inédito nas paradas" que já eram garganta de museu.

- tudo bem, um dia eu subo. o que você quer beber ?

- não quer nem ouvir ?

- bourbon ?

- pode ser.

pagou a conta, a do outro e colocou uma nota de cinco entre a coxa dançarina e o cano de metal reluzente e perfumado. uma piscadinha e quem sabe mais a tarde.

mais a tarde logo estará em silêncio, ele sabia, um silêncio na cama de molas, no chão, fumando na janela. bem de lá era possível ver a igreja e suas gentes que entravam, saiam, sem carregar nada de novo fora uns dez passos mais altivos que logo cediam à corcundez, mesmo nas crianças e nos flocos de neve. como sempre. era engraçado. era triste. engraçado de verdade sempre é um bom tanto triste, pensou e disse monocórdio para a foto de uma desconhecida que habitava única a parede.

aquela foto já estava lá quando alugou o apartamento e nunca vira motivos para retirar de seu pouso, a moça sorria em branco e preto e de onde quer que você ou eu ou ela a olhasse, sempre estaria olhando para nós. brincava que era sua namorada. fumavam juntos, ele assoprando a fumaça em sua cara sorridente, receptiva.

das vezes em que trazia mulheres para o local, não pensava na jovem mulher emparedada. mas raramente pensava em alguma coisa quando trazia alguém para o, seja dito, local. as mulheres falam automaticamente e se sentem muito bem, apenas você dando espaço para que elas assim o façam. sorria vez em quando, concordava entre tantos, sem nem ao menos saber, e isso bastava para que o sexo a seguir fosse mais eficaz que a igreja. dava a cada mulher, via pela janela, fumando pela janela ( antes de terminar o cigarro na foto de sua namorada ), que lá iam altivas, donas de si, cheias de certezas, oferecia uns trinta, trinta e cinco passos. engraçado, triste e relativamente inútil, na neve torta.

bem diferente de ficar na cama brincando com a mola solta que rasgara o estofado. desce, segura, pula ! no mais absoluto silêncio. até que ele e a mola adormecessem, de bem.

então tinha ou não tinha algum trabalho pra fazer. pedreiro, bibliotecário, observador de flores e pássaros. disso ele gostava. um velho que o contratava todo verão e pagava pouco, mas as recompensas valiam: via pássaros ( feios ou bonitos, alguns deformados, anormais, pela fumaça e o azeite citadino) que não constavam no manual, sempre ampliado, que o velho anualmente lhe armava as mãos para olhos. fotografava. fumava um cigarro e só então, antes de se levantar, sorria. pensava em como poderia ter sido a vida exclusiva de sua namorada, provavelmente já morta, diz ditado, pouco importa.

ou não tinha mesmo um trabalho para fazer, restando pular essa parte e voltar ao bar, ao cara do cotovelo e às dançarinas, já de noite e com alguma algazarra dos turistas, que não incomodavam por não irem fundo, sendo apenas turistas de superfície que eram. dos frequentadores, incluindo a sua, as banquetas eram cativas e os melhores ângulos para aquelas moças verdadeiramente belas e sem grandes falas, fora as músicas de Serge Gainsbourg.

- Bourbon ?

- Não quer mesmo ouvir uma parada que pode mudar sua vida ?

- Não.

- Bourbon está ok.

º

12 comentários:

  1. O diretor que sabe estar sendo o observado e assim mesmo
    filma. Sem direção.
    Covardia ou arte ?
    O "ou" é uma preemência adolescente(minha, claro).
    Covardia e arte.
    Ou mais, acento:
    Covardia é arte. E vice-verso.

    Bebi um poema corcunda com fundo nas bordas do copo.
    Um beijo grande desamarrado!

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  2. O diretor que sabe estar sendo o observado e assim mesmo
    filma. Sem direção.
    Covardia ou arte ?
    O "ou" é uma preemência adolescente(minha, claro).
    Covardia e arte.
    Ou mais, acento:
    Covardia é arte. E vice-verso.

    Bebi um poema corcunda com fundo nas bordas do copo.
    Um beijo grande desamarrado!

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  3. ouvir uma 'parada' é ...uma parada...parada...e saio do bar, entro na farmácia e o cotovelo está lá, com outro uniforme, e deixo a farmácia e entro na igreja e o, oh, o bendito cotovelo, e saio da igreja e entro na escola e...tem um cotovelo no meu óculos?
    ***
    li seu texto e me perguntei porque diabos a maldita estátua do roberto drummond na savassi de belo horizonte. deve ser a natureza das estátuas, esse bronze bourbon.

    bel.

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  4. É,aceito um trago desse bourbon!

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  5. Descobri o blog agora. Como estou com sono, após acordar, o leio. Prometo, deixar aqui a sensação provocada.

    abraxx

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  6. Brother,

    Sem rasgação:

    DU CARALHO!!!!


    TUDO QUE VOCÊ FAZ MEU VELHO É DUCARALHAÇO.

    Meus braços do meu abraço

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  7. Li... deixa eu degustar o bourbon que eu já comento.

    Bjo gde

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  8. ok, aceito o bourbon...que me queima na barriga vazia, mas apenas no primeiro gole, apenas pra me servir de justificativa pra essa vontade louca de dançar no cano perfumado pra depois, quem sabe mais tarde, dar com você baforadas no retrato fantasma da tua namorada, ouvindo os sinos da igreja e suas crianças corcundas sem fé... ok, mais um bourbon antes de atolar os meus saltos na neve e sair em passos altivos a buscar passarinhos, enquanto você me observa da janela tirando música da mola exposta e rindo sacana do que te enoja...
    aposto que é disso mesmo que a gente gosta!

    beijo bourbon com hálito de poesia...

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  9. Este homem que apenas aceita o "Bourbon", eu diria, um sábio.
    Vivendo de molas divertidas, observação em preto e branco não só pela foto da namorada mas preto e branco em tudo.
    Uma vida-foto-filme em arte.
    Gostaria de fazer silêncio prá ele.
    Sinto doçura por esse personagem.

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  10. Prefiro não comentar rs...bourbon está ok, nada que possa modificar o que acabei de ler. Tim Tim

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